O Destino de Ser Escritora

Sou carregada para a folha em branco como uma pétala de flor ao cair sobre a correnteza do rio. Apenas fluo para o interior desses enredos, percebendo tal destino quando estou imersa demais para recusar.

O destino de ser escritora. Texto de G. M. Rhaekyrion.
O destino de ser escritora. Texto de G. M. Rhaekyrion. (Imagem Autoral)

Iniciar essa narrativa sem traçar o caminho clássico de descrever como tudo começou, delinear o percurso detalhadamente, até chegar ao presente momento é um desafio. Os anos de cursinho com construção de redação acabaram por me obrigar à tais ímpetos, suponho.

No entanto, tentarei ser diferente…

Fanfiqueira de Carteirinha

Ao pensar quando a ideia de ser escritora nasceu, tendo a retroceder aos meus 13 anos, quando comecei a escrever fanfics, mas a verdade é que criava mundos e enredos desde que me entendo por gente. Dos pokémons que tinha até as mirabolantes aventuras de uma guerreira, que era recrutada por uma princesa mágica para salvar seu reino de criaturas malignas.

A escrita estava em mim desde sempre, só dei nome formal quando me tornei adulta; digamos assim.

Mas se é para ser concreta, as primeiras histórias escritas foram fanfics de Inu Yasha. Sim, o atual Spirit Fanfic foi a porta de entrada para a criação de histórias. Pelas fanfics e pelo RPG de mensagem de texto, cuja prática me acompanha até hoje.

Criar mundos, viver aventuras, fosse na pele de uma ninja Hyuuga ou uma meia-youkai da era feudal, treinadora de dragões e a sorte de realidades alternativas, era a minha paixão.

Lembro de torcer para chegar em casa, entrar na minha conta e continuar a próxima cena. Enquanto esperava a réplica dos demais participantes do RPG, dedicava-me ao capítulo seguinte da fanfic, ansiando para ler os comentários dos leitores.

Digamos que a coisa me contagiou ao ponto de preferir viver naquelas realidades à minha vida de adolescente em plena puberdade.

Era muito melhor ser uma maga guerreira com uma fera presa em seu interior, que se revelava nos momentos de estresse extremo, do que uma estudante de pré-ensino médio de uma escola pouco acolhedora.

Impossível descrever a sensação, o arrepio. Costumo dizer que lembro desses momentos em cenas, como se as tivesse assistido. Cada momento marcou-me de forma irreversível. Gosto de relacionar a necessidade da fantasia como fisiológica; preciso dessa fuga mental para ser feliz, é fato.

Quando ser escritora virou sonho?

Ah… difícil. Talvez existisse esse sonho desde sempre, cientemente ou não. Tenha a intuição de que seria levada para o caminho da escrita, independentemente das minhas escolhas.

Sou carregada para a folha em branco como uma pétala de flor ao cair sobre a correnteza do rio. Apenas fluo para o interior desses enredos, percebendo tal destino quando estou imersa demais para recusar.

Dentro de pouco as fanfics não me supriam mais, precisava de personagens meus, de mundos criados por mim. Então, vieram as pessoinhas mais incríveis desse mundo, povoando meu ser como um vírus.

Da Kagome empoderada nasceram Bannery, Luckarty, Belata e outros tantos nomes que vocês conhecerão.

Vieram os mundos os quais sinto como se fossem parte do meu passado, tão palpáveis que parecem ter sido escritos desde sempre, vívidos demais para recusar.

Criava para mesa de RPG de texto que mestrava. A cada narrativa uma vozinha sussurrava: “um dia transformarei esse tema em um livro. Transformarei em uma saga”.

Os participantes me incentivavam, perguntavam quando começaria a escrever o livro daquele tema. Quando sairia a história de Bannery? Quando Luckarty se mostraria?

Já viram, não é? Estava imersa até o pescoço e mal sabia, tão pouco desejava fugir.

Lembro-me dos dias de estágio no laboratório de biologia molecular, na graduação, estudando milhares de cascatas bioquímicas, interações fisiológicas, e imaginando criaturas com aquele tipo de fisioquímica para o próximo desafio da mesa.

Cada aspecto do mundo se tornava inspiração.

Então, em uma fila quilométrica de banco, comecei a escrever as primeiras linhas de um livro; com a intensão de construí-lo, não mais uma cena para uma sessão de RPG.

O Primeiro Livro

Idealizei o momento da publicação inúmeras vezes. Imaginei uma mesa de madeira rustica em uma livraria enorme, filas enormes de autógrafos. Bonequinhos, marca-página e brindes para acompanhar o exemplar adquirido.

Ninguém me contou como o trabalho dos bastidores do processo editorial é árduo, tão pouco sobre as empresas predadoras e os golpes que existem no meio.

Sonhamos tanto em ver nossas histórias no mundo, que nos cegamos as más intenções. Porque o maior desejo é ver o meu livro ao lado dos exemplares favoritos na estante, partilhando a companhia das demais obras que fizeram parte da minha vida.

Mar dos Lamentos não foi planejado. Foi um filho que simplesmente veio, como se não aguentasse mais esperar, empurrando o ventre de primeira viagem e vindo ao mundo.

Nenhum sonho ideal podia se comparar com o dia que o lancei, nada foi como o momento em que Mar dos Lamentos foi publicado. Claro, nada do que pintei aconteceu, mas não podia ter sido melhor.

Segurar Mar dos Lamentos foi incrível. Ver sua capa, sentir o cheirinho de livro novo e saber que nasceu de mim… Inexplicável!

Digo a todos os escritores que vão lançar seus primeiros livros: nada se compara ao lançamento.

G. M. Rhaekyrion, escritora. Livros e contos de ficção e fantasia.
Um gostinho de como foi o dia do lançamento do meu primeiro livro: Mar dos Lamentos. (Foto: Gabriela Fuschini)

Escritora Empresária ou Artista?

Óbvio que existiram milhares de negativas ao longo dessa jornada. Muitos eventos ruins aconteceram, ciladas digitais e pseudoamizades.

Fui redatora de um site de notícias, escrevi para blogs, vendi artigos de beleza e bem-estar, futebol, cabelo cacheado, saúde, animais de estimação, notícias, fofocas e a sorte de temas que pudessem viralizar e me render cliques o bastante para ganhar bem no final do mês.

Assim fui estudando escrita criativa, escrita jornalística, entrei em uma pós-graduação em jornalismo digital. Sai das fanfics para me profissionalizar, chegando a um ponto que se tornou obsessão.

Quando escrevia nas sessões de RPG ou mais um encerrar de dia se aproximava, costumava dizer que seria feliz se pudesse só escrever todos os dias.

Sobrecarga, bornout, privação do sono, salário incerto…

Ao transformarmos o lazer em profissão o que resta? Pouquíssimo, posso garantir.

A inexperiência, vulnerabilidade financeira e emocional e o desespero de alcançar o sonho que resolvi assumir como meu – ser uma escritora famosa – me levaram ao limite.

Pandemia, crise na carreira formal – sou Bióloga de formação –, desemprego e uma depressão silenciosa e ignorada, transformaram a energia alegre de viver mundos em uma pressão financeira.

É engraçado reviver esses momentos, lembrar de como sentava na frente do computador por 16 horas, escrevendo sem parar, buscando temas para matérias, tentando terminar o último capítulo, elaborando meu site, vendo oportunidades de oferecer serviços editoriais – também me capacitei como revisora crítica e ghost writer.

Continuo sem saber como me mantive durante tanto tempo. Como continuei sem perceber?

Hoje é fácil identificar as causas que me levaram à exaustão mental e só depois de alcançar o fundo do poço que a pergunta mais importante da minha vida surgiu: sou escritora profissional ou uma artista?

Por anos defendi que era uma espécie de escritora empresária, que também tentava ser influencer, porque assim conseguiria alcançar o reconhecimento verdadeiro; o sucesso financeiro.

Quatro livros finalizados jogados fora, repletos de conteúdo ditatoriais engolidos através desse mundo online. Preocupações sobre erros de português, o jeito de escrever e sabe-se os deuses mais o quê, travaram minha escrita de tal forma que a folha em branco se tornou opressora.

Perdi o traço que mais amava em mim: a criatividade. Não conseguia criar, não saia qualquer ideia ou aventura, nada além de obrigação, de deveres e milhares de pequenas tarefas que pareciam nunca terminar.

Mar dos Lamentos foi filho único. Seus irmãos foram abortados precocemente, escorrendo com sangue e lágrimas a cada revisão. E quanto mais o tempo passava e nenhuma publicação acontecia, menos me sentia apta, maior era a auto pressão.

Engraçado como a doença da produtividade me pegou. É difícil mantê-la controlada, foram meses de terapia para que pudesse distinguir os gatilhos e relações abusivas.

A resposta final? Sou artista.

A Fênix Dentro de Mim

Foram anos difíceis para entender de verdade o que desejo deixar no mundo através da escrita.

Por essa razão esse site foi refeito diversas vezes. Precisei me reinventar, deixar a máscara da produtora de conteúdo e influenciadora, porque seu uso é descabido para mim e tão pouco busco me adequar ao estilo.

Recomeçar é difícil, principalmente quando os trinta anos chegam e a vida continua tão mal resolvida quanto aos vinte e cinco; e não vai se resolver tão depressa, mas começou a se encaixar.

Sou escritora, sempre serei. Escrever é inerente a mim. É o que sou e sempre será. Aceito a missão da escrita e serei artista através dela, apenas isso.

Escrever é a expressão mais complexa e profunda dos meus sentimentos, do que sou. Não tenho como transformar algo tão abstrato em indústria.

Se você chegou até aqui, se aturou minha jornada maluca através do tempo e o desabafo gratuito das dores cicatrizadas do meu peito, o meu mais profundo obrigada.

E, claro, boas-vindas! Espero que goste dos surtos de uma escritora nordestina que ama dragões e reflete filosoficamente sobre temas bizarros.

O universo da escrita pelas minhas lentes fantásticas te convida para uma aventura nada convencional, apesar das suas diversas convenções.

Vemo-nos ao longo dessa nova jornada artística.

Beijos de Fogo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

1 comentário em “O Destino de Ser Escritora”

Rolar para cima