Publicado no dia 24 de janeiro de 2019, Lady Killers é o primeiro livro da escritora, diretora e roteirista, Tori Telfer. Elaborado para mostrar a verdadeira face do mal, Telfer reúne as assassinas mais marcantes da história, fazendo uma crítica poderosa ao patriarcado.
Não se engane pela capa rosa, nem pelas letras bem desenhadas, o que tem de lindo, tem de mortal e essa equivalência perigosa é a mesma ressaltada por Telfer em cada caso cuidadosamente explorado.
Nacionalmente distribuído pela editora DarkSide, da série crime scene, Lady Killers vai te fazer a seguinte pergunta: por que os assassinatos em série ressaltam os homens e obscurecem as mulheres? Parece brincadeira, mas é uma verdade muito perigosa e, na maioria das vezes, mortal.
Lady Killers: provando que assassinas em série são reais e estão entre nós
Lady Killers é um livro narrativo de casos reais, que conta relatos da vida de algumas assassinas em série mais famosas da história. Telfer conversa com seu público a cada linha, aproximando o leitor de seus pensamentos e cronologia, enquanto desenrola os detalhes dos homicídios e atrocidades cometidos por essas mulheres perigosas.
Repleto de ressalvas feministas, este livro levanta questionamentos importantes a respeito da suavização da violência feminina. Principalmente no quesito luxuria, pois, segundo a escritora, “as pessoas se esforçam para ligar assassinas em série à luxúria”. E essa frase é exemplificada nas citações dos filmes que envolvem a condessa Bárthory; relatada como uma mulher sensual e belíssima, incapaz de atiçar o medo.
“Devido a ‘passividade feminina’, uma mulher que não internaliza sua raiva é muitas vezes vista não apenas como masculinizada, mas como quase literalmente, um homem.”
É interessante acompanhar essas críticas de Telfer, pois nos faz refletir sobre como o patriarcado doutrina a sociedade. É comum relacionarmos atos atrozes aos homens. O Maníaco do Parque, Pedrinho Matador, Monstro de Capinópolis e a sorte de alcunhas as quais tememos e, automaticamente, relacionamos aos homens.
Como mulher e alguém que já sofreu o que praticamente todas as mulheres nesse país sofrem, prefiro ver um demônio a um homem em uma rua deserta. Temores nascem de fatos e estes podem se alargar para a sua vizinha tão simpática e alegre, uma mãe aparentemente amorosa, uma tia divertida e convidativa, uma amiga muito bem-quista, uma colega de trabalho comum.
Quando a alcunha que essas mulheres recebem ao ter seus crimes expostos e o escândalo formado é Vovó Sorriso, por exemplo, o medo surge no mesmo nível?
Claro que não é necessário temer todas as pessoas ao seu redor, é paranoia demais para um indivíduo só. O que é interessante ver nessa história é como a justiça trata esses casos, como tratou os casos que são destacados no livro e como vem tratando os que surgem ao longo da vida. Basta comparar os episódios da série Anatomia do Crime, na Prime Video e analisar a diferença de conduta para homens e mulheres; desconsiderando o poder econômico, claro.
São reflexões que gosto de ter por ser uma mulher ambiciosa profissionalmente e que não vê a maternidade como desejo. Não assumo o lugar de cuidadora familiar, porque não tenho essa vocação, tão pouco gosto que esperem de mim uma espécie de benevolência ingênua, como se estivesse ansiosa para mostrar o quão sou gentil ou o quão sou amável.
Essas mesmas expectativas medonhas – e criadas por homens – se estendem ao lado sexual da coisa. Não sou seu fetiche, nenhuma de nós deveria ser. E tenho meus próprios gostos com relação a isso, independentemente da existência masculina (até porque sou lésbica).
Precisamos continuar falando sobre esse papel eterno da mulher como cuidadora da família e do lar para além de exercê-los como atividade. Estender a esfera passiva de tais características como inerentes à nós, quando nunca será, jamais.
Quantas assassinas em série você consegue listar?
Talvez a assassina em série e a mulher mais cruel lembrada na história seja a Condessa Sanguinária, Elizabeth Bárthory, que da as “boas-vindas” do livro.
Usada por muitos escritores de ficção terror/horror, como Drácula – O motor Vivo, de Dacre Stocker e Ian Holt, a condessa Bárthory representa a vampira sensual e má, que muitas mentes apaixonadas por esse estilo de leitura fantasiam.
Entretanto, a realidade estampada em Lady Killers vai te fazer mudar de ideia quanto aos fetiches que vem alimentando em seus pensamentos. Pois a Condessa Sanguinária torturava seus criados para se sentir bem, tomando a desculpa de que se comportavam mal.
Por trás da erotização há um mundo assustador. Não existe fetiche – ao menos, não deveria – quando se imagina uma sala banhada de sangue, gritos ecoando pelas paredes e uma vala com mais de cinquenta corpos retalhados nos fundos de um castelo.
Fica a reflexão quanto a como a imagem de mãe zelosa deturpa o julgamento de atos criminosos praticado por mulheres. O caso da Elize Matsunaga, por exemplo, se tornou um episódio de Casos de Família quando o esquartejamento perfeito – sem sujeira de sangue e com cortes limpos – foi esquecido pelo fato de haver uma traição e o medo de ser trocada por outra cresceu.
Quem julgou o caso Matsunaga como simples ambição de uma mulher de um homem rico para com sua fortuna precisa reassistir os documentários da Netflix e da Prime Vídeo a respeito. Ao menos refletir sobre o fato de que Elize esquartejou o marido, enquanto a filha comia uma pizza no cômodo ao lado.
Elize é bonita? Belíssima! E sabemos por onde essa discussão acaba levando. Quantas outras assassinas como ela tiveram suas atrocidades reduzidas por conta da aparência?
Quanto a Suzane Von Richthofen? Não há dúvidas da beleza daquela garota, no auge da sua juventude, nascida no berço do privilégio da burguesia, com uma vida bastante estável financeiramente. Simplesmente fica impossível de pensar que questões estéticas são irrelevantes, mas convencem. Pelo simples fato de sermos sempre as cuidadoras, as acolhedoras, as maternais, como se tais características estivessem na nossa genética na hora que os cromossomos são decididos ou quando há a identidade de gênero. Nunca!
Mal é mal, não importa a genitália no meio das pernas, tão pouco a identidade de gênero. Caráter e psicopatologias não distinguem formações complexas como essas. Apenas são, fato. Um crime será um crime, o horror dele se justifica por ele mesmo, nada além disso.
A romantização dos psicopatas
Estamos vivendo uma época muito conflitante no mundo da ficção. O uso de personalidades psicopáticas como fonte de fetiche masoquistas e eróticos é um assunto bem polêmico e é justamente sobre essa romantização que a escritora critica fervorosamente.
Há citações a respeito da beleza, assassinas bonitas conseguiam o apreço de seus algozes, fato bastante explorado por Tori Telfer no que diz respeito a erotização do mal, como diabinhas sexys prontas para espalhar seus dedos sapecas nas pobres vítimas.
Portanto, não se engane, mulheres matam e o fazem, muitas vezes, sem perder o sorriso gentil.
Os fatos mais curiosos desse livro são as descrições dos julgamentos, muitos juízes choraram ao ver as acusadas, muitas vezes mães (algumas segurando seus bebês), lívidas enquanto escutaram as sentenças. Era difícil para alguns pensar na figura maternal como alguém ruim e de sangue frio.
Esse livro rompe paradigmas antes deixados no escuro e sozinho é uma crítica forte a respeito da feminilidade, do padrão que envolve essa palavra. Mas tenha em mente: a morte veste saia e é charmosamente cruel.
Beijos de Fogo.