Para quem não sabe, eu sou cientista. Ou melhor dizendo, uma aprendiz de cientista. Sou formada em biologia e fiz mestrado em genética médica. Trabalho com doenças raras, mais precisamente estudo a Síndrome de Turner.
Comecei com essa introduçãozinha sobre o meu lado ciência porque Guardiões da Galáxia 3 fala, acima de tudo, sobre um detalhe bastante cruel desse mundo: a experimentação animal.
Quando comecei a estagiar nos laboratórios de pesquisa, ainda na graduação, eu me encantei pela biologia molecular e pela genética. Comecei minha vida acadêmica em um laboratório de experimentação animal voltado para epilepsia e, sim, nós tínhamos experimentos com ratos wister, que são os típicos ratinhos de olhos vermelhos e pelo branquinho.
Era fascinante estudar o comportamento deles, eu confesso, e me envolvia com os cuidados deles no biotério, as trocas de suas caixas, colocar ração e trocar água. Eu gostava de cuidar deles, de estar com aqueles pequeninos durante a tarde.
O que eu não estava preparada, e nunca estive e jamais estarei, foi para o momento da eutanásia e para as induções de quadros epiléticos naqueles pequenos roedores.
Foram cinco anos de trabalho com experimentação animal, os quais presenciei testes mirabolantes, inovadores e o que mais couber em adjetivos mascaradores para o que de fato é fazer experimento com animais: cruel e triste.
Não é à toa que esse filme mexeu comigo e não é à toa que ele é o melhor filme da franquia Marvel e, sem sobra de dúvidas, um marco nessa redoma cheia de ego e palavras floreadas para defender o bem maior, tal qual o grande cientista da Raccon, que tinha justificativas cabíveis – aprovadas pelo comitê de ética, imagino. Ou nem tanto – para colher ninhadas inteiras de animais, em prol da sua mente doentia e obcecada pela perfeição.
A Ficção de Guardiões da Galáxia 3 Tem Dedos de Realidade
Guardiões da Galáxia sempre foi meu filme favorito dos studios Marvel. A leveza das brincadeiras, a força de cada personagem, as histórias entrelaçadas que fazem aqueles indivíduos constituírem uma família altamente diversa. E, acima de tudo, Rocket!
Rocket é o típico personagem divertido, altamente inteligente, cheio de marra e sagacidade, por quem você se apaixona logo de cara.
O pequeno guaxinim – para quem está na dúvida, é um guaxinim mesmo – genial, usado como experimento para se tornar uma raça de bestas ou sabe-se lá o que mais, é o verdadeiro protagonista desse filme e não tinha como ser mais perfeito.
Quando falamos sobre proteção aos direitos dos animais e sobre um movimento que se ergue contra a crueldade dos experimentos de testes, especialmente da indústria cosmética, estamos mexendo em uma colmeia cheia de abelhas rainhas brigando pela honra de produzir seus operários.
A ciência no Brasil é feita com garra, aos trancos e barrancos, por pessoas que amam o que fazem e acreditam no futuro do país. Ciência sempre será a razão pela qual uma nação cresce e se tornar melhor. Entretanto, o que vou criticar e apontar, pelo amor de todos os deuses, não é diminuindo a já frágil estrutura que temos.
O que falo é de uma geração moderna, cheia de tecnologia de ponta e com acesso a ela. Falo de uma massa de cientistas que precisa refletir a respeito do modelo experimental usado para testar novos métodos, medicamentos ou analisar comportamento.
A vida daquele ratinho, aprisionado em uma jaula a vida inteira, nascido apenas para ser uma cobaia, vale uma possível alergia na pele de uma madame rica, em cuja experiência pode ser totalmente replicado em modelos de Inteligência Artificial, em cultura de células ou até em voluntários humanos, se for radicalizar de fato?
A Inteligência Artificial Precisa Ser a Ferramenta para qual Foi Criada
Erguemos bandeiras diárias sobre o tal ChatGPT, sobre como a IA vai dominar o mundo e, essa em especial, anda ameaçando profissões, deixando pessoas acomodadas e mais um monte de críticas.
Uma simples ferramenta de texto mobilizou mentes incríveis do mundo a refletir sobre o que significa humanidade e as habilidades de um ser humano. Por que para salvar animais de laboratório não pode ser o mesmo?
Falamos sobre respeito e defesa dos animais quando vemos a Amazônia ser destruída, choramos com as queimadas do Pantanal ao ver as onças agonizando de asfixia e queimaduras, mas não conseguimos nos sensibilizar quando se trata de um pequeno roedor ou primata, trancado em gaiolas desde tenra idade, para que você em sua cadeira confortável não tenha o desconforto de experimentar uma reação adversa.
Vestimos, provamos, bebemos, consumidos materiais que arrastam montantes de sangue por onde passamos. Nossas mãos são rubras tal qual apontamos tão acaloradamente estarem as do ex-presidente.
Não somos menos genocidas quando aceitamos um modelo de ciência que, claramente, precisa ser repensado.
Como eu vi na internet, e não lembro a autoria, mas quero deixar claro que essa frase não é minha: “Rocket deu um nome e uma cara, uma história e um coração para os inúmeros animais que, em nome da ciência, passam pelas mesmas coisas.”
Radical?
Talvez nos doa mudarmos hábitos e sermos chatos.
O mundo está cheio de mi mi mi?
Não, meu bem, o mundo despertou e desperta todas as vezes que um filme de um estúdio tão grande, de um impacto tão imenso, presta-se a falar e cutucar uma comunidade que deveria abraçar as mudanças como a origem da ciência diz: uma refutação para o novo. Mas se acomoda em seu modelo de tortura em nome da humanidade.
Somos tão melhores assim para sermos salvos?
Sim, assista Guardiões da Galáxia 3. Assista e reflita. E se os gritos do pequeno guaxinim bebê e as deformidades de seus amigos não tocarem seu coração, não te fizer refletir…
Boa sorte com a quantidade de vezes que precisará reencarnar para compreender que o respeito a natureza e aos seus semelhantes não possui seletividade.
De acordo com a maior crença do mundo diz: deve amar o próximo como a ti.
Realmente acha que o próximo é só o ser humano?
Beijos de Fogo.
