Gosto de romance policial, é isso. Gosto de assistir documentários, principalmente, sobre casos criminais e ouvir os peritos e psicólogos forenses discorrerem a respeito da cena do crime, das técnicas usadas, da conduta do julgamento, da coleta de provas e, acima de tudo, sobre a psicologia criminal.
Talvez seja um pouco macabro consumir um conteúdo tão violento, especialmente quando são relatos reais, compilados e editados, para mostrar a melhor versão a respeito de um fato.
Nem todo os documentários são bons, a maioria é extremamente sensacionalista e de um gosto pelo brutal tremendo – irônico criticar dessa maneira, mas, você vai entender –, mas quando falamos de ficção de suspense policial ou suspense investigativo as coisas tendem a ganhar traços ainda mais perigosos que os crimes propriamente ditos.
Não assisto ficções envolvendo psicopatas, principalmente pelo cunho romântico e distorcido com o qual tendem a mascarar um traço antissocial como esse, perigoso e patológico. É um assunto sério, crônico no nosso país, principalmente quando o assunto é violência doméstica e os constantes crimes de feminicídio.
Explicada minha razão, porque obviamente eu precisava expressar o quanto esse assunto é sério e é preciso haver um limite para tudo na vida, vamos à série da Netflix: Borboletas Negras.
Não há Flor ou Primavera em Borboletas Negras
Indicada por minha sogra e sugerida pela própria Netflix, comecei o primeiro episódio dessa trama de suspense investigativo sem o menor apreço ou clima para outra ficção super romantizada a respeito do que é a psicopatologia.
Acredito que essa trama vai para o baú de enredos subestimadas os quais me impressionaram absurdamente.
Primeiro, o fato do protagonista ser um escritor e esta justamente oferecendo o serviço de Ghost Writer – um serviço que também oferto, portanto, me senti imensamente representada – e, com base nas entrevistas com o cliente, ele vai descobrindo um mundo de segredos medonhos sobre a história que estava sendo pago para contar. Nem sei o que faria se estivesse no lugar desse escritor.
Segundo, o mistério te carrega por uma teia onde todos estão envolvidos de alguma maneira com a personagem Solange, mulher por quem Alberto, o contratante do escritor, é imensamente apaixonado e deseja eternizar em um enredo.
Solange domina o mundo dessa série e quanto mais detalhes Alberto conta sobre ela, mais você se intriga sobre quem de fato ela era e quem no meio desse caminho todo está falando a verdade.
Esse tipo de mistério foi o que me impressionou e, claro, é uma série brutal, com cenas de violência e sexo explicitas, tentativas recorrentes de estupro e diversas outras medonhices que aumentam e muito as views.
Realmente é necessário explicitar o horrendo?
Foi justamente sobre o exagero de cenas brutais que eu acabei parando no segundo episódio e classificando a série como as demais que dei uma chance e só focaram no pavoroso, sem conteúdo significativo algum.
Pode parecer pretensioso e incrivelmente contraditório defender Borboletas Negras como um adolescente americano apaixonado tentando convencer a virgem mais popular da escolar a ir para cama com ele, porque “ele não é como os outros homens. Ele é diferente”.
Entretanto, sim, essa série é diferente. Não só pelo mistério de primeira, mas pela construção avassaladora das personagens, que foi de uma maestria singular, ímpar; como poucas coisas as quais já consumi no mundo do entretenimento.
Complexas, intensas, fiéis a atmosfera que desejam transmitir, sem ceder aos caprichos dos editores ou mudarem drasticamente de personalidade para o enredo andar. Borboletas Negras ganhou as 5 estrelas e quantos joinhas forem precisos.
Mas, vamos repensar um tanto, uma mensagem que me deixou apegada nessa história. Em uma cena específica, para ser exata e, claro, não vou relatá-la aqui, basta dizer que o escritor contratado já havia publicado romances antes e Alberto o escolhe justamente pelo último livro que publicou, falando que gostou da trama, apesar da violência gratuita; essas foram as palavras exatas:
Violência gratuita.
O que seria exatamente?
Em termos gerais, para ser sucinta, é como a série de Game os Thrones se tornou e como, inevitavelmente ela acabou ficando famosa: a brutalidade e malignidade humana explicita.
Passei a ouvir bastante essa crítica “violência gratuita” desde o estouro das obras de George Martin, principalmente nos últimos cinco anos, quando injetei obras nacionais de fantasia na minha veia de leitura e percebi o quanto uma cena de morte longamente descrita deixou de ser surpreendente para se tornar algo totalmente dispensável.
Estupro? Nossa! Essas eu já achava péssimas desde os primórdios, depois de Martin, parece que virou pré-requisito do gênero fantasia épica. Nem preciso falar sobre sexo, ou melhor, o hot e sua legião de seguidores cedentos por uma pornografia dentro dos termos legais e, aparentemente, sem ferir qualquer ser humano e, claro, sem sujeira de gozo no final.
Borboletas Negras acabou caindo nessa crítica, que é um olhar muito pessoal e o que me marcou, sobre a violência pura e gratuita quando se trata de histórias e o quanto as verdadeiras brutalidades são maiores e muito menos atrativas do que se explicita por aí.
A Musa do Artista: Sua Sentença de Morte
Marcou-me, devo confessar. Até o último suspiro de minutos fiquei totalmente envolvida com Adrien e Solange, seja ela a sua idealização ou quem realmente ela é.
Parte de como Adrien expressa desejo e paixão por essa Solange que ele criou para escrever é como me sinto com as personagens que crio. É algo muito complexo de se refletir, pois nos apaixonamos por algo que, no fundo, somos nós mesmos.
É um pouco sobre idealizar uma versão nossa ou – como acontece comigo na maioria das vezes – querer tanto conhecer alguém com certas características; no meu caso, dentro de um mundo onde dragões existem.
O meio do caminho da realidade e a ficção é rompida por Adrian quando Solange se torna alguém fisicamente. Quando ele a idealiza como uma mulher que desperta seu desejo, o afastando do casamento estruturado de sua vida real.
Será que todo escritor tem uma crise matrimonial por causa de uma obra?
De minha parte, passei por crises por causa das histórias que escrevo com minha esposa – que não chegaram perto de como foi com Adrian, graças aos deuses – e devo confessar como é difícil dissociar o amor avassalador pelas linhas do que de fato é real; claro, as razões da minha crise não envolveram eu me apaixonar pela minha própria personagem e querer casar com ela. Só para esclarecer.
Acredito que tais problemas vem do autoisolamento. É comum que escritores precisem se isolar para conseguir chegar na voz necessária de uma história. Adrian faz isso. Mas ele abandona sua esposa e passa a viver para o relato de Alberto como se fosse parte de sua vida.
Até que a ficção se torna real demais… Se torna confissão criminal.
Por fim…
Quando tiramos a maquiagem, as palavras bonitas, a luz no ângulo certo, a música e os demais aparatos decorativos, o espancamento até a morte, o estupro hediondo, a surra de deixar marcas, a tortura psicologia, a premeditação de um assassinato, tudo, absolutamente tudo, perde a atratividade e passa a causar o que deve causar: medo e repulsa.
Por isso temo mais a ficção do que a realidade. E se não mostrei motivos o bastante para te fazer refletir…
Bom, não sou psicologa, mas aconselho que procure.
Beijos de Fogo.