Demorei para encerrar essa obra, mais ainda para escrever essa resenha. Não queria pôr um ponto final na vivência de Geralt, Yennefer e Ciri. Não queria deixar o mapa desse mundo para trás e não consumir mais um capítulo, mais uma história, mais uma aventura, mais um livro, das criações de Andrzej Sapkowski.
Estou de luto, totalmente arrasada. The Wicther foi e sempre será o melhor livro que já li em minha vida, a melhor saga que já acompanhei, o melhor jogo que já joguei e os melhores personagens os quais conheci.
Não saberei, jamais, colocar de forma precisa o quão especial e envolvente é esse enredo, o quão diferente, e perfeitamente, encaixado é o roteiro e como as andanças de um bruxo, a vida organizada e política de uma feiticeira e as desventuras de uma senhorita herdeira de sua linhagem simplesmente atravessam as linhas e firmam imagens como se você fosse um camponês vendo-os passar, ou os abrigando em uma noite chuvosa, oferecendo uma informação, servindo uma cerveja, cumprimentando na estrada.
Adianto, essa será uma longa resenha e não terá ordem crescente a cada livro, para homenagear a não-cronologia dos fatos narrados nas obras.
Desde já desfaço-me em saudade e temo fazê-lo em lágrimas também. Acrescento, ainda, as chances de Spolier, pois os fatos se embaralham na ordem que construí em minha cabeça e pode ser que um detalhe ou outro escape ao longo dos parágrafos; independentemente da minha intenção.
Finalmente, vamos ao começo, por onde acho que devo começar…
A Saga The Wicther tem Alma e Coração Genuínos
Percorri trilhas diversas em mundos diversos nessas leituras fantásticas que consumo. Fui ver cavaleiros de dragões em Eragon, vi dragões animalescos em Game Of Thrones, conheci navios vivos em O Navio Arcano e presenciei a morte de deuses em Ordem Vermelha.
Um resumo das obras pelas quais andei, as que me vieram na mente nesse exato momento. Mas muitas mais se aventuraram na lista farta de títulos os quais mergulho de cabeça, ávida para conhecer algo novo.
The Wicther foi um dos poucos que assisti a série antes de ler e comprei o box com todos os volumes sem nem ter conferido o gosto ao apostar no livro 1 antes. Como toda boa leitora, deixei os 8 livrinhos bem arrumadinhos na minha estante, esperando o santo bater e eu ir dar uma chance a obra.
Nem sei quando, mas segurei O Último Desejo com aquele ar de: está bem, bora ver no que vai dar. E me enfiei na realidade de Geralt com um certo asco. Estava em um período de revolta com escritores masculinos e suas manias de empobrecer personagens femininas pelo simples fato do machismo patriarcal existir nesse mundo.
Julguei mal, muito mal. Yennefer e Ciri são tão exaltadas nessa vida, tão incríveis e empoderadas, que parece ser uma obra escrita por mulher.
Escrever fantasia parece difícil, mas desde Tolkien e, posteriormente, George Martin, uma forma de silicone foi vendida e os escritores posteriores variam suas criações na inspiração da Terra Média ou Westeros, respectivamente.
O que encontrei nas páginas de Andrzej Sapkowski tem alma. Vive e pulsa, te segura pela mão e te leva para nunca mais te libertar. A história vive, ela é e apenas isso. Não se explica, não mastiga pro leitor tentar entender. Ela é e você vai se vestir de Nifgaard ou de alguém da Teméria, ou de Rívia, ou de Skellige. Elfo, anão ou humano, ou um mestiço.
Você teme lobisomens, draconídeos e aparições. Você não quer encontrar o exército do Manto Negro, tão pouco os Scoia’tael. A floresta de Brokilon é seu maior desejo e temor, enquanto se preocupa em trocar as moedas para o câmbio certo ao longo da viagem.
Cada aspecto do universo envolvendo The Wicther é tão palpável quando o mapa múndi da Terra.
“As pessoas só pagam por aquilo em que acreditam. Aquilo que é pago, torna-se real e legal. Quanto maior o preço, mais real e legal.”
Criou-se uma mania de querer mastigar todos os detalhes para o leitor, como uma obrigação. Não sei quem começou o movimento, de onde veio tal crença, mas dentro dos círculos de escrita os quais participei e dos cursos que fiz, a “sugestão” era explicar cada mínimo pedaço de existência desse mundo que vai saindo da sua cabeça; no qual sua personagem vive, muito bem, obrigada.
Já imaginou? Eu encontrando meus amigos e explicando o que é Maceió, como surgiu, descrevendo cada pedaço da cidade, o motivo de estar aqui e continuar. Seria, no mínimo, esquisito, divagar sobre o lugar que é tão familiar e natural para mim, mais ainda discorrer a respeito com pessoas que moram aqui também.
Esse pensamento me carrega para não precisar detalhar cada passo que minhas personagens dão em Ioverlar, por exemplo. Elas vivem lá, estão acostumadas, por qual razão vão estar pensando na origem biológica ou mitológica de cada mínimo lugar? Ou interessadas em tais coisas em uma vila de uma única rua? Nunca perguntei para minha mãe a origem de Ibateguara e olhe que é onde ela nasceu.
É assim que caminhamos com Geralt. Ele vive e pronto. Você se vire para aprender os nomes, entender o contexto e se acostumar com as culturas. Simplesmente, perfeito.
“Às vezes até negavam a sua existência e asseguravam que o elixir era acessível a todos e, graças a isso, a humanidade tinha se tornado praticamente imortal, portanto, absolutamente feliz.”
Odeio ser subestimada pelo escritor. Quando leio uma fantasia é porque quero fugir da realidade, não quero te ver, Escritor, quero ver a história. E quando escrevo fantasia, eu procuro meu anonimato completo, para que minhas personagens falem.
The Wicther me ensinou que não estava errada ao pensar assim – como me apontaram diversas vezes – e que é esse tipo de história que quero ler, que quero escrever.
Um vez, li A Música do Silência, do Patrick Rothfuss. Igualmente comprado em um box e lido na avidez de quem acompanhou a saga. Eu detestei esse livro, eu simplesmente odeie. Ele é fininho, 144 páginos, mas pareciam infinitas. Boa parte fiz leitura dinâmica e terminei com a sensação de fadiga.
No entanto, li o prefácio de uma leitora beta do autor, que o agradeceu pela obra, por justamente ser o tipo que ela e pessoas como ela procuram, mas nunca são saciadas.
Essa nota me fez pensar de um jeito diferente sobre os livros, principalmente sobre como escrevo os meus. Sempre vai haver um tipo de público, um grupo de pessoas que gosta daquele estilo, portanto, siga em frente e acredite.
Ler The Witcher reforçou o meu estilo de escrita, assim como reviveu a chama da leitora ávida por fantasia que habita em mim. Esse é o tipo de obra que conversa com minha alma, que fala comigo profundamente, e não tem necessidade de tentar te convencer a pensar igual a mim – tão pouco quero ser convencida.
Geralt, Yennefer e Ciri continuarão sendo a melhor e mais grandiosa referência de obra-prima de toda a minha vida – acredito.
Lendas, Crenças e Criaturas Classicamente Únicas
É normal personificar a estética do universo fantástico em variações de Era Medieval ou no brilho harmônico de Tolkien. Muitas vezes estereótipei esse universo de castelos de pedra e medo do inverno nevado, por desejar viver nessas roupas fartas, no frio de cortar a alma, ao lado dos dragões.
Acontece, que o berço do escritor de The Witcher é a Polônia e esta, por sua vez, nutre sangue Celta no mais íntimo de seu tutano.
Dragões de duas cabeças? Licantropos? Hidras? E a sorte de outras lendas que vieram da cultura viking e celta, apimentadas pela imaginação de Andrzej Sapkowski.
Ademais, na visão de um bruxo, que é criado e treinado para lidar com esses “monstros”, que perturbar fazendeiros, roubam crianças de senhores, destroem plantações, assombram cemitérios e ameaçam a vida dos viajantes.
É simplesmente delicioso cada investigação de Geralt em seus contratos, o passo a passo de sua ida em um covil ou em uma casa mal-assombrada. A história que ele colhe ali, as pessoas que o conhecem há datas incontáveis ou mais recentemente. A fama que constrói à medida que, involuntariamente, vai participando da trama política.
Você vê passado, presente e alguns videntes capciosos inferindo futuros diversos sobre como o mundo estará quando não houverem mais monstros ou não houverem mais bruxos.
“’O medo nunca é irracional’, Geralt não quis corrigilo. ‘Salvo no caso de distúrbios psicológicos. Uma das primeiras coisas ensinadas aos pequenos bruxos é que é bom sentir medo. Se você sente medo, é sinal de que há algo a temer. Portanto, é preciso cautela. Não é necessário controlar o medo, basta apenas não sucumbir a ele, e vale a pena aprender com ele.”
Nesse meio, o que mais me chama atenção em cada detalhe são as profissões. Existe um momento que Jaskier consulta um advogado, busca registros antigos de uma tal lei da surpresa e uma genealogia de uma mulher chamada Falka.
Durante a consulta, os advogados reclamam de clientes e do tribual, falando que dentro em breve eles sairão da marginalidade e se tornarão os novos bruxos altamente pagos para tirar verdadeiros monstros da reta da prisão.
Pelos céus! É brain storm com certeza! A reflexão sobre um ser humano ser pior que uma centopéia gigante é fenomenal.
E esse paradoxo tão óbvio e claro, transforma Geralt no melhor bruxo conhecido. Ele leva em consideração a verdadeira história, não mata por matar ou pela recompensa, poupa seres nem um pouco bem quistos para senhores e sua plebe, defendendo com unhas e dentes a diversidade.
Por falar nisso, não há questão alguma quanto a quem você leva para cama, apenas a boa e velha fofoca que corre nos bairros, sobre quem fornica com quem e mente para a família sobre pureza.
Adoro a realidade desse universo. Sobre como você se insere nessa banalidade. Amo as cenas de farra de Geralt com Jaskier, gastando todas as moedas recém-conquistadas em gwet e vinho de Teméria, porque a vida é uma só e é preciso aproveitá-la intensamente.
Família Nada Tradicional de Citra, Rívia e Vengerberg
Sou conhecida por gostar daqueles romances sofridos que nunca é assumido, tão pouco demonstrado e jamais, em hipótese alguma, estabelecido. Meus amigos me dizem que não gosto de romance, gosto de sofrimento – e levo isso para as histórias que escrevo também, claro.
Gosto de fazer listas de casais que marcaram minha vida ou que shipo absurdamente. Tenho essa brincadeira com minha esposa. Desde Sense8, pouquíssimos pares me encantaram – exceto so que crio com minha esposa – e menos ainda me marcaram. Então, Geralt e Yennefer surgem e eu simplesmente me desmonto.
Nunca experimentei o tipo de abordagem de romance como nesse livro. Não é uma conquista ou um casal firme e seguro de seu sentimento ou aquele emines to lover, que ficam se recusando a assumir as borboletas no estômago. Nem há puritanismo quanto a tirar a roupa e foder até o dia amanhecer ou em ver o corpo nu do outro, ou o encanto e a lembrança de um término feio, restando a saudade ardida.
O que há entre o bruxo e a feiticeira não pode ser descrito de forma clara e resumida. Nada na existência é como eles dois. Nada.
Sinto e pulso amor por Yennefer como se eu fosse o Geralt. A simples carta que ele recebe dela, tão típica com sua caligrafia, é como as mensagens da minha esposa quando éramos namoradas e passávamos dias sem se falar. É prender o ar para ler aquelas linhas, sentir o aroma dela e sua voz a cada frase.
Geralt aspira lilás e groselha e eu também. Assim como, na visão da Yen, sou paixão, luxúria e apego a esse homem que a protege e confia, que a serve e entrega-se, sem qualquer restrição ou frescura.
“Quer que eu lhe diga, bom bruxo, quem são as pessoas boas? São aquelas a quem o destino privou da chance de aproveitar os benefícios de serem más, ou aquelas que tiveram essa chance, mas eram demasiadamente estúpidas para apriveitá-la.”
Então, vamos a cereja do bolo – e aqui pode contar Spolier -, a pequena Ciri.
Uma menina com uma personalidade de milhões, determinada e inteligente. Afiada e sagaz, corajosa e altamente impulsiva, que transforma o bruxo sem coração em um pai amoroso e a feiticeira calculista na mãe ansiosa e preocupada com a educação e desenvoltura de sua cria.
Eles três juntos… eles são como toda família deveria ser: a confiança certa, a harmonia no silêncio, todos confortáveis na presença do outro sem qualquer necessidade de conversar. As desavenças resultando em risadas, o ensinamento firme e persistente, sem que haja ressalva na gentileza.
Tenho uma dificuldade enorme em diferenciar o que consumi dos jogos com o que consumi dos livros quanto se trata da relação dos três. Ambos entregam essa magia do fio do destino ligando-os para além da lei da surpresa ou da obrigação, para além daquele mundo e daquela vida.
Gosto de como Ciri cresce sendo criada por Geralt, de como seu jeitinho conquista todos os bruxos de Kaer Morhen, transformando os brutamontes e considerados aberrações sem coração em diversos tios preocupados e atentos as travessuras de uma criança deixando a casca da infância e virando adolescente.
Além do mais, Ciri é bissexual – com uma tendência fortíssima ao lado lésbico da coisa – e realmente me sinto representada por ela. Por sua descobertas adolescente, que foram muito parecidas com as minhas, e esse pulso firme de guerreira que tem, sem deixar que ninguém a dome ou a torne algo que ela não é e nem deseja ser.
Para sempre Ciri será a minha inspiração, Yennefer meu amor eterno, fonte de toda minha desconstrução, e Geralt, a bússola da ética verdadeira. Eles me acompanharão nesse jornada de parir meus mundos e minhas sagas, guiando-me pelos caminhos da alma genuína das personagens que em mim depositaram a confiança de suas histórias, até que um dia essa existência se vá e meu espírito seja recrutado ao plano de seu destino.
“Ele, Ortolan, daria à humanidade os benefícios da paz, mesmo que primeiro fosse necessário exterminar metade dela.”
Sei que tem muito mais que posso falar sobre The Witcher. As leis, a variação política, as tramas, as escolas e faculdades. Mas acho que meu coração me guiou nessas três esferas por alguma razão. O ouvirei, pois aprendi com o bruxão que preciso seguir meus instintos, com a feiticeira que a intuição não falha e com a leoazinha de citra que as coisas sempre acontecem por um motivo.
Bom… acho que encerro por aqui. A saudade ficará para sempre. Não costumo reler histórias, mas já sinto vontade de recomeçar essa. Só para ver Geralt, Yennefer e Ciri outra vez.
A série? Jamais chegará aos pés do que significa The Witcher. O jogo? Carrega a essência de Andrzej Sapkowski.
Fico por aqui.
Beijos de Fogo.